Por Davi Godoy
Correspondente internacional na Argentina
O Brasil é oficialmente um País Laico (sem a interferência da Igreja
no Estado), mas se comparado à Argentina que tem a Igreja Católica
religião oficial do país, poderíamos supor que o Brasil teria maior
aceitação, tolerância e respeito aos LGBT, certo? Errado. As
contradições começam quando percebemos as diferenças no tratamento
dispensado aos LGBT em seus respectivos países.
Além de dividirem fronteiras, Brasil e Argentina também dividem uma
história semelhante. Ambos sofreram anos de ditadura militar e também
sofrem com problemas sociais graves. Ambos têm governos presidenciais
inclinados à esquerda e forte presença religiosa em seu povo. Mas são
como dois continentes separados por um imenso oceano quando o assunto
são os Direitos Humanos para a população LGBT. A Argentina goleia o
Brasil neste quesito, aqui os homossexuais, bissexuais, travestis,
transexuais são cidadãos plenos com seus direitos protegidos.
Moro na Argentina desde fevereiro deste ano e é visível a liberdade
que os homossexuais vivenciam no país. Você não é surpreendido com
linguagem homofóbica na rua, quando vai comprar um presente para o Dia
de São Valentin ( comemorado dia 14 de Fevereiro em todo o mundo como o
Dia dos Namorados, com exceção do Brasil, que comemora dia 12 de Junho) é
extremamente comum ser perguntado na loja “Tiene vos novio o novia?”
(Você tem namorado ou namorada?), todos os bares e boates (chamados de
“boliches”, aqui) são gay-friendly e é raro você ouvir sobre
assassinatos por conta da orientação sexual ou de gênero, mas quando
acontece o país para; quando um LGBT é assassinado na Argentina tem a
mesma repercussão que teve o assassinato do pedreiro Amarildo no Brasil.
Na Província de Rio Negro (equivalente ao Estado de Rio Negro) e na
cidade de Buenos Aires a união civil entre pessoas do mesmo sexo já era
garantida desde 2003, mas o Casamento Igualitário em vigor no país desde
Julho de 2010 substituiu estas leis e garante o casamento a todas as
pessoas independente de seu sexo e/ou identidade de gênero, garantindo
inclusive, o direito à adoção. Em julho de 2003 Marcelo Suntheim y César
Cigliutti se tornaram o primeiro casal de homens da América Latina
legalmente unidos. A cerimônia foi transmitida ao vivo por diversos
canais de TV da Argentina e teve repercussão em todos os jornais no dia
seguinte. Uma multidão se aglomerou em frente o Cartório Civil da
Avenida Uruguai em Buenos Aires. Depois, em agosto foi a vez de María
Rachid y Claudia Castro históricas dirigentes da “Federación Argentina
de Lesbianas, Gays, Bisexuales y Trans”. No Brasil, desde o ano passado,
graças ao STF, os homossexuais podem se casar.
A Constituição Nacional da Argentina contém parágrafo contra a
discriminação por qualquer tipo e as cidades de Buenos Aires e Rosário
implementaram leis anti-homofobia e as divulgam constantemente. Uma lei
que puna a discriminação por identidade de gênero e orientação sexual
foi aprovada na Câmara dos Deputados e espera-se a aprovação dela no
Senado. Existe forte campanha publicitária anti-homofobia para turistas e
a Argentina é uma das rotas de turismo mais conhecidas entre
homossexuais da Europa.
Em 2012 a Argentina aprovou lei que garante alteração do sexo de
travestis transexuais em documentos sem a apresentação de qualquer
atestado médico, isto acabou permitindo que na Argentina houvesse o
primeiro casamento entre transexuais da história da América. A noiva,
Karen Taborda, nasceu homem. O noivo, Alexis Bruselario nasceu mulher. O
noivo casou grávido e teve seu ventre abençoado pelo Padre Católico
Raúl Benedetti. Quando poderíamos imaginar esta cena no Brasil? Gênesis,
o filho do casal, nasceu em Dezembro.
Ainda falando sobre travestis e transexuais, Buenos Aires conta com a
primeira escola transexual do mundo, a “Escuela Mocha Celis de Buenos
Aires”. Esta escola atende principalmente – mas não exclusivamente –
travestis e transexuais maiores de 18 anos que queiram estudar e sair da
prostituição. A escola têm 25 professores, metade deles é trans, 90
estudantes de diversas minorias sexuais e acreditem, 2 surdos
Cis-héteros que se sentem melhor acolhidos na escola do que fora dela.
A Presidente Cristina Kirchner é adorava pela comunidade LGBT da
Argentina, mas não é para menos, ela faz por merecer. Cristina Kirchner,
em diversas oportunidades que teve demonstrou total apoio e respeito
pela comunidade LGBT. Na ultima Parada Do Orgulho Gay em novembro de
2012 (“que é considerada “de interesse social, cultural e para a defesa
dos direitos humanos” ) ela foi homenageada em gritos uníssonos pelas
ruas de Buenos Aires. Além de defender o casamento igualitário desde a
sua discussão no senado argentino, ter sido madrinha de batismo de um
filho de um casal de lésbicas, Cristina fez algo mais notável, defendeu
um garoto gay da oposição ano passado por conta de xingamentos que ele
recebeu no twitter por conta de sua homossexualidade.
Devido à segurança que os homossexuais, travestis e transexuais
sentem na Argentina, o país já se tornou rota de “refugiados” por
orientação sexual; um casal gay russo realizou em fevereiro, em Buenos
Aires, seu sonho de oficializar sua união e anunciou sua decisão de
pedir asilo na Argentina, após fugir de seu país e denunciar a
discriminação sofrida pelos coletivos homossexuais na Rússia. Alexander,
de 47 anos, e Dimitri, de 35, se conheceram pela internet em sua Rússia
natal e mantiveram dois anos de namoro até que decidiram sair do país
para poder consumar seu amor perante a lei. “Estamos muito felizes por
ter conseguido o que estávamos querendo fazer desde que nos conhecemos”,
disse à imprensa Alexander, oriundo de Sochi, na porta do cartório
civil em pleno centro da capital argentina.
Sem dúvida que ainda existe homofobia na Argentina, sobretudo no
interior do país, mas as ações anti-homofobia existentes estão
permitindo uma vida cada dia melhor aos LGBT argentinos, turistas e
estrangeiros residentes. Minha ideia inicial era fazer um comparativo
entre Brasil e Argentina, mas na verdade, já sabemos que o governo do
Brasil não faz “propaganda de opções sexuais”. E a realidade brasileira
nós conhecemos muito bem! Estamos perdendo por W.O, é bom pensarmos em
entrar em campo!