Uma Sangha é uma comunidade de amigos praticando o Dharma
juntos de forma a fazer acontecer e manter a consciência. A essência da Sangha
é consciência, entendimento, aceitação, harmonia e amor. Quando você não vê
isto em uma comunidade, não é uma verdadeira Sangha e você deveria ter a
coragem de dizer. Mas quando você encontra esses elementos presentes em uma
comunidade, sabe que tem a felicidade e a sorte de estar em uma Sangha real.
No evangelho de Mateus, achamos a seguinte frase: “Vocês são
o sal da terra; mas se o sal se tornar insípido, com que se há de restaurar-lhe
o sabor? Para nada mais presta, senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos
homens.” Nesta passagem Jesus descreve seus seguidores como sal. Comida precisa
de sal de forma a ficar saborosa. Vida precisa de entendimento, compaixão e
harmonia de forma a ser possível de ser vivida. Esta é a contribuição mais
importante para a vida que os seguidores de Jesus podem trazer ao mundo.
Significa que o Reino dos Céus tem que ser percebido aqui, não em nenhum outro
lugar, e que os cristãos precisam praticar de forma que possam ser o sal da
vida e uma verdadeira comunidade de cristãos.
Sal é também uma importante imagem no cânone budista e este
ensinamento cristão é equivalente ao ensinamento do Buda sobre Sangha. O Buda
disse que a água nos quatro oceanos tem um só sabor, o sabor do sal, assim como
seus ensinamentos tem apenas um sabor, o sabor da liberação. Portanto os
elementos da Sangha são o sabor da vida, o sabor da liberação e temos que
praticar de forma a nos tornarmos sal. Quando dizemos, “Eu tomo refúgio na
Sangha” não é uma declaração, é uma prática.
Nas escrituras budistas é dito que há quatro comunidades:
monges, monjas, homens leigos e mulheres leigas. Mas eu também incluo elementos
que não são humanos na Sangha. As árvores, água, ar, pássaros e assim por
diante, podem todos ser membros da Sangha. Uma boa almofada também pode.
Podemos transformar muitas coisas em elementos de apoio da Sangha. Esta idéia
não é inteiramente nova, pode ser achada através dos sutras e no Abbidharma
também. Uma pedrinha, uma folha e uma dália são mencionados no
Sadharmapundarika Sutra. É dito no Sutra da Terra Pura que se você for
plenamente consciente, então quando o vento ventar pelas árvores, você ouvirá
os ensinamentos dos Quatro Estabelecimentos de Atenção Plena, o Nobre Caminho
Óctuplo e assim por diante. O cosmos inteiro está rezando o Dharma do Buda e o
praticando. Se você for atento, entrará em contato com esta Sangha.
Eu não acho que o Buda queria que abandonássemos nossa
sociedade, nossa cultura ou nossas raízes de forma a praticar. A prática do
budismo deveria ajudar as pessoas a voltar para suas famílias. Deveria ajudar
as pessoas e se reintegrar na sociedade de forma a redescobrir e aceitar as
boas coisas que existem na nossa cultura e para reconstruir aquelas que não
estão.
Nossa sociedade moderna cria muitos jovens sem raízes. Eles
estão desenraizados de suas famílias e da sua sociedade. Eles vagam, não
completamente como seres humanos, porque não tem raízes. Um bom número deles vêm
de famílias desestruturadas e se sentem rejeitados pela sociedade. Eles vivem à
margem, procurando por um lar, por algo a que possam pertencer. Eles são como
árvores sem raízes. Para essas pessoas é difícil praticar. Uma árvore sem
raízes não pode absorver nada, não pode sobreviver. Mesmo se eles praticarem
intensamente por dez anos, será difícil para eles serem transformado se
permanecerem como uma ilha, se não puderem estabelecer uma ligação com outras
pessoas.
Uma comunidade de prática, uma Sangha, pode proporcionar uma
segunda chance para um jovem que vem de uma família desestruturada ou é alienado
da sua sociedade. Se a comunidade de prática é organizada como uma família, com
uma atmosfera amigável e morna, os jovens poderão ter sucesso na prática.
Sofrimento (dukka) é um dos maiores problemas do
nosso tempo. Primeiramente temos que reconhecê-lo e notá-lo, Então precisamos
olhar profundamente para a sua natureza de forma a encontrarmos uma saída. Se
olharmos para a situação presente em nós mesmos e na nossa sociedade, poderemos
ver muito sofrimento. Precisamos chamá-lo por seus verdadeiros nomes: solidão,
sentimento de ser cortado, alienação, divisão, desintegração da família,
desintegração da sociedade. Nossa civilização, nossa cultura foi caracterizada
pelo individualismo. O indivíduo quer ser livre da sociedade, da família. O
indivíduo não pensa que tem que tomar refúgio na família, na sociedade e pensa
que pode ser feliz sem uma Sangha. É por isso que não temos solidez, não temos
harmonia, não temos a comunicação que precisamos tanto.
A prática é, portanto, fazer crescer algumas raízes. A
Sangha não é um lugar para se esconder de forma a se evitar responsabilidades.
A Sangha é um lugar para praticar, para a transformação e a cura do ego e da
sociedade. Quando você é forte, pode estar presente de forma a ajudar a
sociedade. Se sua sociedade está em confusão, sua família está desestruturada,
se sua igreja não é capaz de te prever vida espiritual, então você trabalha
para tomar refúgio na Sangha de forma que possa restabelecer sua força, seu
entendimento, sua compaixão, sua confiança. Então você poderá usar sua força,
entendimento e compaixão de volta para reconstruir sua família e sociedade, para
renovar sua igreja, para restabelecer comunicação e harmonia. Isto pode ser
apenas feito como comunidade – não como indivíduos, mas como uma Sangha.
De forma a conseguirmos desenvolver algumas raízes,
precisamos de um tipo de ambiente que nos ajude a nos tornar enraizados. Uma
Sangha não é uma comunidade de prática onde cada pessoa é uma ilha, incapaz de
comunicar com os outros. Isto não é uma Sangha verdadeira. Nenhuma cura ou
transformação resultará de tal Sangha. Uma verdadeira Sangha deveria ser como
uma família na qual há um espírito de irmandade.
Há muito sofrimento, sim, e temos que abraçar esse
sofrimento. Mas para ficarmos fortes, também precisamos tocar os elementos
positivos e quando formos fortes, poderemos abraçar o sofrimento em nós e ao nosso
redor. Se virmos um grupo de pessoas vivendo em plena consciência, capazes de
sorrir, de amar, ganhamos confiança no nosso futuro. Quando praticamos
respiração consciente, sorrindo, descansando, andando ou trabalhando, nos
tornamos um elemento positivo na sociedade e inspiraremos confiança em todos ao
nosso redor. Este é o caminho para evitar deixar o desespero nos derrotar. É
também o caminho para ajudar as gerações jovens de forma que eles não percam a
esperança. É muito importante que vivamos nossa vida diária de tal modo que
demonstremos que um futuro seja possível.
Na minha tradição aprendemos que indivíduos não podem
fazer
muito. É por isso que tomar refúgio na Sangha, tomar refúgio na
comunidade é
uma prática muito forte e importante. Quando eu digo: “Eu tomo refúgio
na
Sangha”, não significa que eu quero expressar minha devoção. Não. Não é
uma
questão de devoção, é uma questão de prática. Sem estar em uma Sangha,
sem ser apoiado por um grupo de amigos que estão motivados pelo mesmo
ideal e
prática, não podemos ir longe.
Se não temos uma Sangha que nos dê suporte, podemos
não
estar obtendo o tipo de apoio que precisamos para nossa prática, que
precisamos
para nutrir nossa bodhicitta (o desejo forte de cultivar amor e
entendimento em
nós mesmos). Às vezes chamamos isso, “mente principiante”. A mente de um
principiante é sempre muito bonita, muito forte. Em uma Sangha boa e
saudável há encorajamento para a mente do principiante, para nossa
bodhicitta. Portanto a Sangha é o solo e somos a semente. Não importa o
quanto
seja bonita e vigorosa nossa semente, se o solo não nos provê
vitalidade, nossa
semente morrerá.
Um dos irmãos de Plum Village, Irmão Phap Dung, foi ao
Vietnã alguns anos atrás com alguns membros da Sangha. Foi uma experiência
muito importante para ele. Ele está no Ocidente desde que era pequeno. Quando
ele foi ao norte do Vietnã, pode entrar em contato com alguns dos elementos
mais antigos da cultura vietnamita e com as montanhas e rios do norte do
Vietnã. Ele me escreveu e disse: “Nossa terra do Vietnã é tão bonita, bonita
como um sonho. Eu não ouso dar passos pesados nessa terra do Vietnã”. Ele quis
dizer que tinha a atenção plena correta quando andou. Sua plena atenção correta
foi devido à prática e ao apoio que ele teve na Sangha antes de ir ao Vietnã.
Esta é a mente de principiante, a mente que você tem no início quando se
compromete com a prática. É muito bonito e precioso, mas a mente principiante
pode ser quebrada, destruída, perdida se não for nutrida ou apoiada por uma
Sangha.
Embora ele tivesse sua pequena Sangha perto dele no Vietnã,
o ambiente era de muita distração, e ele viu que se ficasse muito tempo longe
de uma Sangha maior, ele seria levado pelo ambiente, pelo esquecimento – não
apenas seu próprio esquecimento, mas o esquecimento de todos ao seu redor. Isto
porque a atenção plena correta para alguém que apenas começou na prática é
ainda fraca e o esquecimento das pessoas ao nosso redor é muito grande e capaz
de nos arrastar na direção dos cinco desejos. Como a maioria das pessoas ao
nosso redor é levada pelos cinco desejos, é este ambiente que nos arrasta e nos
impede de praticar a atenção plena correta.
Para praticar a atenção plena correta precisamos de uma
ambiente correto, e este é a nossa Sangha. Sem uma Sangha, somos fracos. Em uma
sociedade onde todos estão correndo, todos estão sendo levados pelas suas
energias de hábito, a prática é muito difícil. É por isso que a Sangha é a
nossa salvação. Uma Sangha onde todos estão praticando a caminhada atenta, fala
atenciosa, alimentação consciente parece ser a única chance para termos sucesso
para terminar o círculo vicioso.
E o que é a Sangha? A Sangha é uma comunidade de pessoas que
concordam que se não praticarmos a atenção plena correta, perderemos todas as
coisas bonitas na nossa alma e ao nosso redor. As pessoas na Sangha perto de
nós, praticam conosco, nos apoiando de forma que não sejamos puxados para fora
do momento presente. Seja quando for que nos encontremos em uma situação
difícil, dois ou três amigos na Sangha estão lá para nós, entendendo e nos
ajudando e nos farão superar tudo. Mesmo na nossa prática silenciosa, ajudamos
uns aos outros.
Na minha tradição dizemos que quando um tigre deixa a
montanha e vai ao vale, será capturado por humanos e morto. Quando um
praticante deixa sua Sangha, abandona sua prática depois de alguns meses. De
forma a continuar nossa prática de transformação e cura, precisamos de uma
Sangha. Com uma Sangha, é muito mais fácil praticar, e é por isso que eu sempre
tomo refúgio na minha Sangha.
(Traduzido do livro “Friends on the
path” – Thich Nhat Hanh)