A Suprema Corte do Reino
Unido desenhou limites para a liberdade de religião nesta quarta-feira
(27/11). O tribunal decidiu que o direito de exercer a própria fé não
autoriza ninguém a discriminar outras pessoas. Os juízes consideraram
que os donos de uma pousada violaram a legislação britânica ao negar que
dois homens gays dormissem num quarto com cama de casal.
A corte
analisou o apelo do casal Hazelmary e Peter Bull, que mantêm uma pousada
numa cidade litorânea na região da Cornualha, costa oeste da
Inglaterra. Os dois são cristãos e afirmam procurar, tanto na vida
pessoal como profissional, seguir os ensinamentos da Bíblia. Um deles é o
de que sexo só pode ser feito dentro do casamento, que é a união entre
um homem e uma mulher. Caso contrário, é pecado. E, para evitar que seus
hóspedes pequem, o casal impede que duas pessoas que não são casadas
durmam em quartos com uma cama de casal.
A política cristã na
pousada não parecia causar muito problema com os hóspedes, até que, em
setembro de 2008, Martyn Hall e Steven Preddy resolveram se hospedar lá.
Os dois são homens, homossexuais e vivem em união civil. Resolveram
aproveitar os últimos dias quentes da Inglaterra na Cornualha e pediram
para ficar num quarto com uma cama de casal, como fazem os casais. Não
conseguiram. Os donos da pousada negaram dizendo que sexo fora do
casamento é pecado e, como os dois homens não eram casados, não poderiam
dormir juntos.
A briga foi parar na Justiça. Os donos da pousada
perderam em todas as instâncias e, agora com a decisão da Suprema Corte,
terão de pagar indenização para Hall e Preddy. A Suprema Corte
considerou que a política mantida pela pousada, um estabelecimento
voltado a atender ao público, é discriminatória. A legislação britânica
estabelece que as uniões civis e os casamentos têm os mesmos direitos e
deveres e devem ser tratados da mesma maneira.
A maioria dos
juízes considerou que, já que o casamento entre pessoas do mesmo sexo só
passou a ser permitido neste ano, a negativa de cama de casal para
pessoas não casadas é também baseada na opção sexual. Ainda mais se
considerado que a visão cristã de casamento é o relacionamento entre um
homem e uma mulher.
Os juízes explicaram que a decisão não
significa, no entanto, que a liberdade sexual se sobrepõe à liberdade de
religião. Se os donos do hotel tivessem negado estadia a possíveis
hóspedes por discordar das suas crenças religiosas, a corte também
consideraria que houve discriminação indevida.
A Suprema Corte explicou
que a liberdade religiosa, direito garantido na Convenção Europeia de
Direitos Humanos, não é absoluta. Ela pode ser limitada para proteger
direitos alheios.
O casamento civil e religioso entre pessoas do
mesmo sexo foi autorizado no Reino Unido em julho deste ano, depois que
lei sobre o assunto foi aprovada no Parlamento britânico. A norma deixou
a cargo das igrejas decidirem se aceitam casar gays ou não. A previsão é
de que os primeiros casamentos entre homossexuais sejam celebrados no
meio do ano que vem, já que a nova lei precisa de regulamentação antes
de ser posta em prática.
Atualmente, no continente europeu, dez
países permitem que os gays se casem. São eles: Bélgica, Dinamarca,
França, Islândia, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia e
Inglaterra. A Escócia deve ser o próximo a autorizar o matrimônio entre
duas pessoas do mesmo sexo. Na Irlanda, um dos países mais católicos e
conservadores da Europa, o governo já anunciou que deve fazer um
plebiscito em 2015 para ouvir a população sobre o assunto.
Já a
união civil entre gays é mais aceita no continente. Além dos que
permitem o casamento, outros 16 países reconhecem a união estável entre
duas pessoas do mesmo sexo. Entre esses, apenas três — República Tcheca,
Hungria e Eslovênia —
são do Leste Europeu, onde os direitos dos homossexuais ainda são pouco reconhecidos.
Clique aqui para ler a decisão em inglês.